Após três anos de tramitação no Congresso Nacional, a votação do PL das Fake News (PL 2630/20) está prevista para ocorrer na terça-feira (2). Se aprovado, o texto volta para apreciação do Senado, casa de origem que tem a palavra final antes da sanção presidencial. No entanto, o projeto de lei, que inicialmente veio para combater notícias falsas e abarcou a legislação de Big Techs, vem acompanhado de uma série de polêmicas.
Com o requerimento de urgência aprovado por 238 a 192 na Câmara dos Deputados na terça (25), a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet tem como relator o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), que retirou do texto a existência de uma instituição independente para fiscalizar a lei e para impor sanções, uma vez que o ponto gerava resistência de uma parcela dos parlamentares.
Essa era uma das principais polêmicas do PL 2630, que tem como principal objetivo criar normas a serem obedecidas pelas redes sociais, ferramentas de busca e aplicativos de mensagens para localizar e remover publicações avaliadas como conteúdo criminoso. A criação de um órgão que pudesse processar administrativamente quem fosse investigado, apelidado de “Ministério da Verdade” pela ala bolsonarista, em alusão ao livro “1984”, de George Orwell, foi uma sugestão do governo, mas acabou rejeitada pelo relator diante de uma série de impasses.
O receio é que o órgão fiscal, carente de delimitação de quais recursos dispõe para ser independente, pudesse censurar a liberdade de expressão ou que ele fosse usado de forma arbitrária para perseguir inimigos políticos. Na quinta (27), o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, declarou que a Agência poderia exercer o papel de reguladora no PL das Fake News, mas a ideia foi combatida por opositores no Congresso pela falta de experiência na autarquia no tema. Diante da polêmica, a criação da agência acabou ficando de fora do parecer.
De acordo com Helena Martins, especialista que presta consultoria ao Comitê Gestor da Internet (CGI), estrutura interministerial que estabelece as diretrizes técnicas para o funcionamento da rede no Brasil, um dos principais defeitos do PL é a extensão da imunidade parlamentar no meio digital que se não for aprovada pode emperrar a votação.
“Isso é bastante preocupante. Várias pesquisas mostram que, muitas vezes, os parlamentares estão envolvidos na promoção de desinformação. Inclusive, passa por eles a amplificação de campanhas de desinformação. Isso não pode significar um salvo-conduto para que parlamentares continuem operando campanhas desse tipo”, alertou. Entretanto, o trecho é amplamente defendido pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A pesquisadora também considera que, apesar do projeto trazer muitos avanços na responsabilização das plataformas pelo conteúdo em circulação, a forma como consta no texto ainda apresenta brechas.
“A proposta do relator, vinda de uma série de conversas, coloca que há um dever de cuidado, mas cria um mecanismo de responsabilização apenas quando há a instauração de um protocolo. As plataformas só são responsabilizadas caso não desenvolvam as medidas instituídas em um protocolo”, explica. Helena afirma preferir a proposta enviada pelo governo, que estabelece uma ação permanente das plataformas no cuidado com seu conteúdo.
Conteúdo jornalístico
Outro ponto de destaque foi a presença de uma comitiva de artistas no Congresso, na terça-feira (25), que entregou a Arthur Lira uma carta pedindo proteção de direitos autorais e a garantia de remuneração por parte das Big Techs aos produtores de conteúdo jornalístico, musical e audiovisual.
Segundo o PL, as Big Techs se tornam responsáveis por pagar veículos cujo conteúdo abastece redes sociais sem a devida remuneração ao passo que também combatem fake news. No entanto, o diretor do Google na América Latina afirma que o PL 2630 “desconsidera a troca de valor existente entre plataformas e veículos de notícias e cria um desincentivo para novos investimentos”. O diretor defende um fundo privado para remunerar o jornalismo.
Como altera de maneira profunda a legislação brasileira, o assunto provocou grande repercussão pelo país e vem sendo acompanhado de perto por setores tecnológicos, pelas próprias gigantes das redes sociais, mídia e outros países que observam as decisões no Brasil para se pautarem sobre a regularização.
Confira mudanças importante que o PL 2630 busca implementar:
O PL veta o funcionamento de contas inautênticas e contas automatizadas não identificadas como tal e exige a confirmação de identificação de usuários e responsáveis pelas contas;
Garante aos usuários o direito de reparação por dano individualizado ou difuso aos direitos fundamentais e o direito de recorrer da indisponibilização de conteúdos e contas;
Obriga os provedores de redes sociais a produzirem relatórios trimestrais de transparência que serão detalhados os procedimentos usados para moderar conteúdos;
As plataformas ficam obrigadas a identificar toda forma de publicidade e de impulsionamento pago de conteúdos;
Fixa normas para os órgãos públicos e os agentes políticos atuarem nas redes sociais, incluindo a obrigação de divulgar os contratos de serviços de publicidade e de impulsionamento de conteúdos,
Cria um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, com a atribuição de estudar e fazer recomendações sobre a liberdade, a responsabilidade e a transparência em ambiente digital;
O Conselho também vai elaborar proposta de códigos de conduta para redes sociais e serviços de mensagem privada, a ser posteriormente avaliada e votada pelo Congresso;
Prevê a criação de um órgão de autorregulação pelas plataformas para promover a transparência e a responsabilidade no uso da internet;
Estabelece sanções, a serem aplicadas pelo Judiciário, no caso de descumprimento da lei. Elas podem ir desde advertência e prazo para adotar medidas corretivas até multa máxima de 10% do último faturamento anual do grupo econômico no Brasil e
Os valores a serem pagos aos autores de conteúdos não jornalísticos, o prazo de pagamento e o modelo de remuneração serão definidos em negociação entre as plataformas e, preferencialmente, associações de gestão coletiva de direitos autorais.
Fonte: Congresso em Foco