Quem acompanhar o Campeonato Brasileiro desta temporada possivelmente vai precisar se acostumar com a situação inusitada de uma partida ser adiada porque há um time com um grande número casos do novo coronavírus no elenco. A exemplo do ocorrido no último domingo, entre Goiás e São Paulo, em Goiânia, infectologistas ouvidos pelo Estadão apostam que, pela situação da pandemia e pela exposição dos atletas ao contágio, outras partidas vão passar pelo mesmo problema.
Para esses especialistas, é provável até mesmo que surtos como o encarado pelo Goiás, que tem nove casos confirmados da doença, passem a ser mais comuns justamente a partir de agora, por causa das viagens. Cada time terá duas partidas por semana e vai precisar passar com frequência por locais considerados pelos médicos como mais perigosos para se contrair o vírus. A segunda das 38 rodadas da competição tem início na quarta-feira.
“É possível que aconteça (novos adiamentos dos jogos). A epidemia ainda está entre nós, e qualquer proximidade entre pessoas pode gerar transmissão”, afirmou o membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Renato Grinbaum. O presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, manifestou na segunda-feira a preocupação com esse impacto. “O Brasileirão precisa que todos entendam e aperfeiçoem os protocolos para continuar suas atividades”, escreveu nas redes sociais.
Os médicos consideram que, após as equipes terem disputado Estaduais, apenas com partidas com viagens curtas ou quase sempre na mesma cidade, agora o calendário passará por uma fase crítica. “O deslocamento por aeroportos e hotéis é uma situação muito crítica porque você tem muita exposição ao vírus em salas de espera, recepções e restaurantes”, explicou o médico Estevão Urbano, também da SBI.
Na opinião do infectologista, inclusive, o maior perigo do Campeonato Brasileiro é fazer com que os jogadores se tornem vetores da doença. “Os atletas têm boa saúde e certamente vão se recuperar. O problema é na verdade o pai deles, alguém com comorbidade da família ou uma pessoa que possa ser contaminada porque está no mesmo hotel”, disse Urbano.
Apesar das preocupações, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) mantém a realização do torneio e a aplicação de cuidados. Um desafio para o Brasileirão é continuar com os jogos espalhados por várias cidades, ao contrário do realizado por outras ligas.
Nos Estados Unidos, o campeonato local de futebol reuniu todos os times em um mesmo resort em Orlando para dispensar as viagens e criar com mais cuidado uma espécie de bolha de convivência. Já a China dividiu os participantes em duas sedes. A Liga dos Campeões terá nesta semana o início da fase final com os oito clubes restantes concentrados em Lisboa.
Os clubes e a CBF descartaram mudar o formato de disputa do Brasileirão e insistiram em disputar as 38 rodadas. Para infectologistas, a ideia de reunir os 20 times em um mesmo local seria positiva, porém a medida teria altos custos e não traria garantias de segurança.
“Por melhor que sejam os protocolos, eles não são 100% eficazes. Você não consegue deixar todos os jogadores presos em um mesmo local o tempo todo. Sempre vai ter algum furo”, disse o infectologista Marcelo Otsuka, também da SBI.
Por Ciro Campos
Estadão Conteúdo