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Energia que vem do céu: os raios solares como propulsão para a irrigação das lavouras no Piauí

Francisco Eduardo de Oliveira. Foto Jailson Dias

Aos 76 anos, Francisco Eduardo de Oliveira é o retrato de muitos idosos do interior do Piauí, mesmo aposentado e com os cinco filhos criados, ele não consegue se desligar de onde tirou o sustento de toda a sua vida: a terra. Residindo em Santana do Piauí, município de 4.642 habitantes, situado a 302 km da capital Teresina, o agricultor mantém em uma de suas propriedades de um hectare uma plantação diversa: banana, milho, cana, goiabeira, abacate, coqueiro – que atualmente são destinados principalmente para o consumo da família.

Após ter dependido principalmente da chuva durante toda a vida para a produção agrícola, Francisco agora dispõe de uma novidade: os painéis de energia solar. A sua propriedade é irrigada pela água extraída de um poço de sete metros de profundidade a partir de uma bomba de propulsão movida pela energia gerada por duas placas fotovoltaicas.

Francisco Eduardo de Oliveira. Foto Jailson Dias

Quando o Sol brilha intensamente no céu, principalmente entre 11h e meio-dia, as placas geram a energia que liga a bomba, permitindo a irrigação. O agricultor conta que pagou R$ 800,00 pelas duas placas e mais R$ 180,00 para sua instalação, ocorrida em 2023.

Por ser alguém que já enfrentou períodos de estiagem ao longo da vida, Francisco não tem dúvidas quanto a utilidade desse novo recurso.

“Se eu tivesse energia solar há mais tempo, estaria usando há mais tempo”

Francisco Eduardo de Oliveira
Francisco Eduardo de Oliveira. Foto Jailson Dias

Mais projetos

A energia solar é uma realidade no sertão piauiense, caracterizado pela alta incidência de raios solares. Essa tecnologia tem sido utilizada principalmente pelos moradores das cidades, como forma de baratear o consumo de energia elétrica, tornando comum a visão das placas fotovoltaicas no teto das residências. Contudo, essa exclusividade doméstica está mudando.

O engenheiro e professor do Instituto Federal do Piauí (IFPI) – Campus de Picos, Benedicto Reinaldo, informou que tem sido crescente a elaboração de projetos de energia solar para fazer o bombeamento de água para as propriedades agrícolas.

Engenheiro e professor Benedicto Reinaldo. Foto Jailson Dias

“O bombeamento solar é uma realidade, ele tem sido utilizado por pessoas do campo para suprir a necessidade de água da sua propriedade”

Professor Benedicto Reinaldo

Os produtores que possuem um poço de água na propriedade podem instalar uma bomba (monofásica ou trifásica) ligada às placas fotovoltaicas. Anteriormente, era a concessionária que fornecia a energia elétrica para a irrigação, mas a taxa de luz ficava muito elevada.

Inúmeras outras vantagens além da economia também são apontadas para o uso da energia solar. “Isso tem acontecido cada vez mais com mais frequência; então, vem de encontro à sustentabilidade e a preservação do meio ambiente”, relatou o engenheiro.

Bombeamento de água na propriedade de Francisco Eduardo, Foto: Jailson Dias

Crescimento

A busca pela utilização da energia solar no sertão do Piauí para irrigar as lavouras se intensificou há cinco anos, segundo o engenheiro Benedicto. Quando o trabalhador rural não dispõe de recursos financeiros para o projeto e aquisição das placas, ele pode recorrer às linhas de crédito em bancos públicos e privados. “Eles possuem a linha de financiamento adequada para isso”, relatou.

Benedicto destaca que a energia solar veio para solucionar o problema histórico da seca no Nordeste, pois, embora o período chuvoso seja limitado a quatro meses – entre dezembro e março –, o subsolo da região de Picos, por exemplo, é rico em lençóis freáticos.

Com a disponibilidade das novas tecnologias, os agricultores não precisam esperar pelas concessionárias para ter o serviço de irrigação em suas terras.

Fonte de recursos

Os valores para a elaboração de um projeto e instalação das placas de energia solar variam, mas podem ser orçados a partir de R$ 15 mil. Para chegar a esse valor, são levadas em consideração algumas variantes como a profundidade do poço – que poderá exigir maior potência dos painéis solares; vazão da água; tamanho da propriedade.

O gerente da Agência Picos do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), José Alfredo de Moura, avalia positivamente a liberação dos financiamentos para a população. Ele informou que em 2023 foram aplicados R$ 200 milhões na região, recursos que foram destinados para áreas diversas da economia: comércio, indústria, serviços, pequenas e grandes propriedades rurais.

Gerente do BNB José Alfredo de Moura. Foto: Jailson Dias

“Vejo com bons olhos o apoio do Banco do Nordeste aqui na região”

José Alfredo de Moura

A agência sediada em Picos (terceiro maior município do Piauí com 81 mil habitantes) atende atualmente clientes de 29 cidades oferecendo duas modalidades principais de crédito: o Crediamigo (voltado para o comércio) e o Agroamigo (destinado ao trabalhador do campo).

Os financiamentos para o produtor rural atendem todas as demandas referentes a produção verificada na região de Picos, como: aquisição de animais, psicultura, apicultura, melhorias na propriedade.

Agência do Banco do Nordeste sediada em Picos – PI. Foto: Jailson Dias

Com base na quitação dos financiamentos realizados pelos agricultores e comerciantes, o gerente disse perceber a diferença que o Banco do Nordeste faz na vida dos clientes.

FNE Sol

Desde o lançamento do FNE Sol (Programa de Financiamento à Micro e Minigeração Distribuída de Energia Elétrica e Sistemas Off-grid), o gerente do Banco do Norte informa que mais de 1000 financiamentos foram aprovados para esse fim. “O Banco do Nordeste tem se destacado muito aqui em Picos, foram mais de 1000 operações, e no Nordeste tem se destacado como a agência com maior número de operações”, frisou.

Para conseguir o financiamento o cliente precisa antes de tudo fazer o cadastro no banco ou no site www.bnb.gov.br/fne-sol; o limite dos recursos será definido com base no consumo de energia da propriedade. “Aí fazemos a análise do crédito do cliente”, explicou José Alfredo.

O tempo para análise da solicitação de crédito do cliente demora em torno de dois meses, dependendo da precisão do projeto, ou seja, se ele é feito com base nas orientações do banco. Produtores rurais dispõe de até 12 anos para quitar o financiamento.

Site do BNB. Imagem a Internet

O BNB tem demonstrado preocupação com a sustentabilidade e a preservação do meio ambiente, sendo esse o objetivo para a criação do FNE. Na região de Picos, onde está situado Santana do Piauí, já foram realizadas em torno de 200 operações para energias renováveis.

“A gente espera avançar muito mais, pois entende a importância das anergias renováveis, tanto para o banco como para o mundo em geral”

José Alfredo

Mudança com o Sol

E o exemplo dos usos das energias renováveis se multiplicam. Na localidade de Samambaia dos Marques, município de Picos, o produtor rural Francisco das Chagas Pereira Costa, 51 anos, está provendo algumas mudanças. Até 2023 ele plantava banana, mas agora em 2024 decidiu investir no plantio de milho. E junto com a nova cultura agrícola, ele optou por fazer uso da energia solar para irrigar a sua propriedade que possui 22,5 hectares.

O motivo para o investimento na nova tecnologia é simples, o barateamento da conta de luz.

Francisco das Chagas Pereira. Foto: Jailson Dias

“Por conta que a energia é um absurdo; para mexer com agricultura, tem que mexer com água, se mexer com água, precisa de energia”

Produtor rural Francisco das Chagas Pereira Costa

Embora tenha adquirido as placas fotovoltaicas este ano, Francisco afirma que o objetivo de utilizar a energia solar era antigo. Ele comprou as placas financiadas através do engenheiro que fez o projeto para as suas terras.

Curiosamente, as placas fotovoltaicas não ficam na propriedade onde Francisco faz o seu plantio, mas no teto da sua residência localizada no povoado de Novo Paquetá, no município de Sussuapara, vizinho a Picos e localizado a 311 km de Teresina. Ele não tem dúvidas quanto a validade do investimento, pois a irrigação pode se estender das 10h às 16h, garantindo a lavoura.

Propriedade de Francisco das Chagas. Foto: Jailson Dias

Como forma de utilizar a água de forma racional dado o tamanho da sua propriedade, ele promove a irrigação do milho por meio do gotejamento. O verde da propriedade mostra que o sistema tem apresentado resultados positivos e a produção tem sido vendida na região de Picos. “Inclusive tenho minhas vendas, minhas feiras”, ressaltou.

Única solução

Se para alguns produtores a energia solar é uma evolução, para outros ela é a única forma de dispor de energia elétrica na propriedade. Esse é o caso do agricultor José Raimundo Fontes, 58 anos. Ele também possui uma propriedade no povoado Samambaia dos Marques e passou a se utilizar das placas fotovoltaicas neste ano de 2024 porque a concessionária Equatorial Energia – que fornece energia elétrica para o Piauí – não lhe atendia.

José Raimundo Fontes e suas terras irrigadas. Foto: Jailson Dias

“Não tinha outra energia, essa energia vem até aí (apontou para a fiação que não chega até a sua casa), já pelejei de todo jeito e não vem”, lamentou ao se referir às suas visitas à sede da concessionária para solicitar o fornecimento.

José Raimundo pagou R$ 14 mil à vista pelas placas de energia solar que fazem a irrigação da sua propriedade de cinco hectares, mas infelizmente o sistema não possui a potência necessária para iluminar a modesta residência onde vive sozinho. “Tô no escuro, pois essas placas não pode ligar bico de luz, serve para o poço”, frisou.

Placas solares acima da residência de José Raimundo. Foto: Jailson Dias

Contudo, ele avalia que o uso da energia elétrica está compensando porque passou a dispor da água para uso doméstico e para matar a sede do pequeno rebanho formado por sete cabeças de gado. Sobre os resultados da lavoura, José Raimundo está na expectativa para a colheita.

Sindicato

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Picos, Francisco Pereira de Sousa, mais conhecido por Tito, informou que tem percebido o avanço na utilização das placas fotovoltaicas, embora ainda não tenha sido feito um levantamento para saber o número exato de agricultores que aderiram a essa energia renovável.

Sindicalista Tito. Foto: Jailson Dias

“Já existem alguns agricultores fazendo uso dessas placas para fazer a sua irrigação, e isso realmente é uma alternativa, porque precisamos aumentar a produção da nossa agricultura familiar”

Francisco Pereira de Sousa

Segundo o sindicalista não é difícil para o agricultor conseguir o financiamento para aquisição das placas de energia solar no Banco do Nordeste do Brasil desde que a documentação da terra esteja regularizada.

Tito avalia que a produção agrícola verificada em Picos até este mês de julho de 2024 pode ser considerada regular, uma vez que a maioria dos trabalhadores rurais dependem das chuvas. As principais culturas produzidas em Picos se aplicam aos 40 municípios que forma a região.

Principais produtos plantados na região de Picos

Com o aumento gradual de trabalhadores rurais irrigando as suas propriedades através das placas solares, o agricultor acredita que a produção se manterá em constante crescimento.

Filho do Sol

O famoso trecho do Hino do Piauí o define como “terra querida, filha do Sol do Equador”, evidenciando a sua localização geográfica, onde é alta a incidência de raios solares. Contudo, conforme apontado nesta reportagem, o avanço da tecnologia mostra que esse fator sempre visto como desvantagem para o desenvolvimento rural passa a se constituir a partir de agora como um grande trunfo. A energia solar veio para facilitar a irrigação e promover o desenvolvimento sustentável do sertão piauiense.