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Advogado e professor de Direito aponta problemas no “Orçamento de Guerra” apresentado pela Câmara

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O advogado, com atuação das áreas pública, pena e civil, e professor de Direito da Faculdade R.Sá, Luciano Borges, elaborou um artigo para o Boletim do Sertão através do qual analisou os problemas da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 10/2020, que passou a ser chamada de “Orçamento de Guerra”.

Confira a análise do professor.

A MAGIA DO ORÇAMENTO DE GUERRA

A pandemia do Coronavírus já é um dos maiores acontecimentos da história mundial, proporcionando cenários inimagináveis como a queda abrupta do preço do petróleo.

Contudo o Brasil realmente é diferente, em meio ao contexto de catástrofe e uma verdadeira luta pela sobrevivência, a elite política continua atuando a todo vapor, lutando pelo interesse das pessoas (que interessam a eles).

O uso do termo magia no título é uma referência a um conceito básico dos truques de mágica, é preciso que a plateia esteja distraída olhando para um ponto, enquanto o mecanismo do truque (mágica) ocorre em outro, exatamente o que está acontecendo no congresso nacional.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 10/2020, apresentada pelo Presidente da Câmara, Dep. Federal Rodrigo Maia (DEM/RJ), popularmente batizada como “Orçamento de Guerra”, foi exposto ao povo brasileiro como uma proposta de criação de orçamento autônomo para tratar dos gastos com a pandemia, um mecanismo para o poder público atuar de forma mais eficiente neste momento.

Porém, logo de início alguns detalhes chamam bastante a atenção quando vistos de perto, o primeiro deles é a autoria. Como já mencionado, o projeto é de autoria do Presidente da Câmara, contudo a gestão do orçamento é uma competência do chefe do executivo (Presidente da República na esfera federal), ou seja, por mais que a proposta seja aprovada (e vai, falta apenas a apreciação das emendas do Senado), o Presidente pode simplesmente não utilizar o mecanismo.

Então, qual a razão para tal proposta? A resposta é bem simples, Estados e Municípios. Com a aceitação da proposta na esfera federal, os demais entes logo criarão normas similares.

O que há de especial na PEC 10/2020 para ser tão desejada? A possiblidade da quebra da “regra de ouro” do orçamento público.

A “regra de ouro” representa o grande freio do endividamento público anual, pois limita a contratação de operações de crédito pela administração pública, o limite é o montante total das despesas de capital previstas no orçamento (investimentos e pagamento da dívida pública). Em outras palavras, a Administração não pode contratar empréstimos para pagamento de suas despesas de manutenção, apenas para investimentos. A “regra de ouro” tem sido um importante mecanismo de proteção do patrimônio público, mas é evidente que querem afastar tal mecanismo.

É fato que o momento vivido pelo mundo todo exige medidas drásticas e o próprio preâmbulo da PEC utiliza-se da necessidade de gastos emergenciais. É evidente que é necessário o endividamento público, mas isso coloca em evidência o segundo grande problema da PEC nº 10/2020. A Constituição já autoriza a possibilidade de afastar a “regra de ouro”, desde que seja indicado de forma precisa qual a despesa que seja custeada.

Então, por que uma PEC para criar uma exceção que já existe? Simples, “alguém” não quer esclarecer de forma precisa qual a destinação dos recursos dos empréstimos que deseja contrair, e pela autoria do projeto, provavelmente, não é o Presidente da República (não que ele não possa “aproveitar” também).

É possível arrolar mais um considerável número de problemas do Orçamento de Guerra, contudo os dois em destaque no texto são suficientes para deixar claro que enquanto o povo brasileiro luta para sobreviver, a nossa elite política continua fazendo mágica.