“Você deve estampar sempre um ar de alegria, e dizer: tudo tem melhorado. Você deve rezar pelo bem do patrão, e esquecer que está desempregado”. (Comportamento Geral, Gonzaguinha)
Por Lucas Bezerra
Acadêmico de Psicologia
Entre as muitas histórias e passagens da mitologia grega, os doze trabalhos de Hércules me chama muita atenção. Conta a lenda, que depois que Hércules atingiu a maioridade, casou-se com Mégara, filha do rei de Tebas. Após uma tragédia que teve como consequência a morte de Mégara e de seus cinco filhos, Hércules solicitou um conselho para se sair de todo o acontecido no Oráculo de Delfos. Com o conselho vinha também uma servidão a Euristeus, rei de Micenas, que lhe passou doze tarefas que o iriam redimir das mortes que cometeu contra sua própria família. Segundo a historiadora, Renata Beleboni, da Universidade Estadual de Campinas, os trabalhos elevariam à uma condição divina. Trabalhar e trabalhar. Atualmente, ser divino é ser produtivo. Hércules sanou seus trabalhos para fugir da loucura, ainda que tragédia por cima de tragédia se amontoasse. Hoje em dia, tragédia é não pensar num emprego melhor. Loucura é não saber onde você conseguirá um pouco mais de dinheiro, em detrimento de sua sanidade mental. Loucura, nos atuais tempos, é não abrir mão de si para dar lucro ao outro, ou a empresa.
Desde o auge dos meus 16 anos, aprendi vendo vídeos do intelectual José Paulo Netto, que não pode existir capitalismo sem crise. Aliás, é a crise que fomenta o capitalismo, é a concorrência que coloca a vontade vital do homem sob a escolha dinâmica do capital. Aí está uma questão importante, posto que selvagem: O capital civiliza na barbarização da vida social. O trabalho, ainda que sua tese seja dignificante, é estruturado nesta civilização que segrega, que incapacita de ver-se como pessoa, e “a palavra pessoa não soa bem”, já falara Belchior na canção, “conheço meu lugar”. Um exemplo? Muito bem, se todo trabalho é importante e se todo trabalho dignifica o homem, por qual motivo a estrutura que condiciona o trabalho a uma condição indispensável da vida humana, valoriza os donos do meio de produção, a classe detentora de privilégios, se comparado ao gari, por exemplo? Ainda que o médico não seja pertencente à classe dos donos dos meio de produção, que classe é está que é vista como semideuses, em detrimento de quem limpa o seu consultório?
Estou acompanhando os trâmites da PEC que acaba com a escala de trabalho 6×1, proposta advinda da queridíssima Erika Hilton. A proposta precisa do aval do presidente da Câmara, Hugo Motta, antes de ser analisada. Enquanto isto, segundo dados do Ministério da Previdência Social, sobre afastamentos no trabalho, quase meio de milhão de pessoas foram afastadas em 2024 por ansiedade e depressão, o maior número em dez anos. É importante frisar que os afastamentos foram motivados por diversos fatores. Contudo, uma coisa é certa, a estrutura trabalhista brasileira corrobora para a precarização de quem vive sob a mira daquilo que deveria lhe proteger da exploração: Consolidação das leis do trabalho, o famoso CLT. Em outros tempos, a barbárie ocupava o lugar na estrutura do trabalho. Sem leis e sem a quem apelar, homens e mulheres tornavam-se animais, burros de carga. Hoje, sob dispositivos legais, o trabalho mudou seu modos operandi, muito embora a lógica do patrão seja o mesmo. Os homens capachos evoluíram, se antes eram animais, hoje, são animais domesticados, mas ainda assim, animais. Evolução?
Lembra-se do que escrevi? O capitalismo é crise, e só existe capitalismo se tem crise. Pois bem, quando a crise torna-se um mal que grita para todos testemunharem, e não podemos fugir dos números alarmantes acerca dos afastamentos no trabalho, motivados principalmente por ansiedade e depressão, o capital e seus instrumentalizados inventam a salvação para o problema que eles mesmos criaram.
As empresas terão até o dia 26 de maio para criar mecanismos internos que identifiquem e combatam o estresse, assédio e carga mental excessiva no ambiente de trabalho. Essa determinação partiu da atualização da NR-1 (Norma Regulamentadora n.º1). Essa é a dialética do capital, verbalizada pela lógica do patrão mediante a empresa e/ou seu negócio. Vamos mapear com objetividade: Você ficará para trás, precisa de um emprego para viver- ou sobreviver? – Você faz parte do quadro de colaboradores- nome bonito para mascarar sua voluntária servidão? – precisa ser produtivo, e dar tudo de si é querer o bem da sua nova família- afinal, nada melhor que trocar os signos na ânsia por falsear a realidade. Quem não quer o bem da família, não é mesmo? – Sábado é o dia do descanso de Deus, e não o seu. Ele criou o mundo, você só precisa trabalhar algumas horas. Não reclame, você trabalha numa boa estrutura – se é que tem uma boa estrutura – e por qual motivo ficar triste, você pode ser promovido, dar-se-á uma folga quando achar necessário. Não se esqueça da festa da empresa, mas isto é só uma vez por ano, mas uma vez que vale a pena. Quer algo que valha mais a pena? Se capacite, após sua hora de trabalho, você é tão importante e fulcral no local de trabalho que precisa reafirmar isso. Você é insubstituível. Afinal, quem a empresa se lembrará por ter dado lucro, quando você morrer? A propósito, Deus não precisa de férias, melhor ver ele trabalhando. Deus ajuda a quem cedo madruga.