A SINGULARIDADE INTRÍNSECA À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS
Por: Maycon João de Abreu Luz
Andreya Lorena Santos Macedo
Após o Congresso Nacional, em sessão conjunta do dia 12 de agosto de 2020, derrubar veto do Presidente da República, foi publicado na edição do último dia 18 de agosto do Diário Oficial da União, a Lei n. 14.039/2020.
A Lei n. 14.039/2020 dentre os seus três artigos traz alterações a Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil) e ao Decreto-Lei n. 9.295/1946 (Lei que define as atribuições de contadores).
As alterações advindas são no sentido de reconhecer expressamente a natureza técnica e singular dos serviços profissionais de advocacia e de contabilidade. Até aí aparentemente não há nenhuma originalidade que sugira controvérsia a intensificar os debates.
É certo que a Lei n. 14.039/2020 traz reflexos aos art.13 e 25 da Lei n.8.666/1993, uma vez que coloca, agora de maneira expressa, a advocacia e a contabilidade dentre os serviços técnicos especializados aptos a serem contratados mediante inexigibilidade.
Ocorre que em todo o país o Ministério Público vinha já há algum tempo, através de ações de improbidade administrativa, questionando a contratação de escritórios de advocacia por municípios e de contabilidade sem a realização prévia de procedimento licitatório. Inclusive com condenações por parte de alguns Tribunais de Justiças e de parte de órgãos fracionados do STJ, que possuíam até aqui entendimento de que violaria o disposto no art. 25 da Lei 8.666/1993 a contratação direta de advogado quando não caracterizada a singularidade na prestação do serviço e a inviabilidade da competição[3].
No STF em agosto de 2014, a 1ª Turma rejeitou denúncia contra agentes públicos de Joinville/SC e contra escritório de advocacia por contratação direta da banca, sem licitação, para retomada pelo município dos serviços e água e saneamento básico. Entretanto, com reconhecimento de repercussão geral, o RExt 656.558 teve julgamento suspenso em 2017, até esta data não havendo ainda posicionamento firmado quanto a matéria.
Por outro lado, a Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANMP) logo após a publicação da Lei nº 14.039/2020, protocolou representação junto a PGR requerendo proposição de ADIN em face da referida norma.
Dentre os argumentos para representação, a ANMP aponta a relevância da advocacia pública municipal como função essencial à justiça, a primazia do concurso público como forma de ingresso dos procuradores dos municípios e a excepcionalidade da contratação de serviços de advocacia por inexigibilidade de licitação.
Foi ajuizada Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 6.569/DF) pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP) em face da referida Lei, a PGR emitiu Parecer opinando pelo não conhecimento da ação em face da falta de legitimidade ativa, considerando a inexistência de pertinência temática entre os objetivos da CONAMP e a matéria tratada.
Pondera-se, contudo, não haver colisão entre a Lei nº 14.039/2020 e a primazia do concurso público. Não há na norma nenhum dispositivo ainda que implicitamente tendente a flexibilizar ou esvaziar a regra da obrigatoriedade de concurso público para provimento de cargo efetivo.
Havendo no município cargo ou cargos efetivos de procurador municipal, este ou estes devem ser preenchidos por meio de aprovação prévia em concurso público, a Lei nº 14.039/2020 nada dispõe em contrário a esse respeito.
Importante compreender que as atribuições correspondentes a cargos efetivos de procurador municipal guardam diferenças inúmeras da prestação de serviços a serem realizadas por meio de contrato de escritórios de advocacia municipalistas especializados.
Há atualmente dentre os estudiosos de Direito Administrativo, uniformidade em considerar que na Administração Pública Brasileira permeia elementos do modelo de gestão burocrática com elementos do modelo gerencial. Nessa perspectiva, as atribuições dos cargos de procurador municipal estariam mais relacionadas as atividades e processos burocráticos referentes precipuamente a legalidade administrativa.
Por outro lado, a prestação de serviços de advocacia municipalista especializada, refere-se a busca pela eficiência administrativa e por uma otimização da atuação da gestão municipal.
A interpretação do STF parece ir nessa direção, em ADC nº 45, na qual se postula o reconhecimento de validade dos arts. 13, V, e 25, II, da Lei 8.666/1993, o Ministro Relator já declarou a constitucionalidade dos arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado”.
A única alteração que a Lei nº 14.039/2020 trouxe nesse aspecto foi reconhecer expressamente a natureza singular intrínseca a toda prestação dos serviços advocatícios e contábeis. Continuam sendo requisitos para contratação direta de escritório de advocacia: a necessidade de procedimento formal; a notória especialização; a inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público e a cobrança de preço compatível com o praticado no mercado.
Defendemos aqui que a advocacia pública municipal e a advocacia municipalista especializada, apesar de se dedicarem a mesma unidade, têm campos de atuação distintos e complementares. Assim podem conviver de forma harmoniosa e independente, afastando qualquer narrativa de criminalização da advocacia, seja de que natureza for, afinal somos todxs advogadxs.
Maycon Luz: Professor de Direito Eleitoral da Faculdade R.SÁ. Presidente da APPULCENTROSUL. Advogado Municipalista;
Andreya Lorena: Mestre em Políticas Públicas. Professora de Direito Administrativo da Faculdade R.SÁ. Conselheira Federal da OAB. Advogada.